Ética, Técnica e Justiça
- fbfariaeng
- 28 de out.
- 6 min de leitura

Quando a Verdade Profissional Prevalece sobre o Ruído Processual
Por Fábio Bedini de Faria – Engenheiro Mecânico, Perito Judicial e Consultor Técnico
1. Introdução – Quando a técnica é posta à prova
A perícia judicial é, sem dúvida, uma das mais complexas e nobres atribuições da Engenharia. O perito é o elo entre a técnica e o Direito, entre a ciência e a decisão judicial.
Sua palavra não é a de uma parte — é a da verdade técnica, imparcial, fundamentada e mensurável.
No entanto, nem sempre essa nobre função está imune às intempéries humanas. Há momentos em que o engenheiro perito é testado não apenas pela dificuldade técnica do caso, mas também pela resiliência ética diante de manobras externas, interpretações enviesadas ou mesmo tentativas de desmoralização.
Este artigo relata, de forma técnica, ética e institucional, um case real de conduta profissional, em que o compromisso com a verdade, a serenidade e o domínio normativo se sobrepuseram à provocação, transformando um ataque em exemplo de integridade e jurisprudência ética para a Engenharia Legal.
2. O caso: uma perícia mecânica de alta responsabilidade
O contexto envolvia a perícia judicial de um motor diesel industrial aplicado em máquina de grande porte, cujo conjunto havia sido submetido a retífica completa. Após um curto período de funcionamento, o motor sofreu falha catastrófica. O processo judicial instaurado buscava determinar a origem técnica da anomalia — se decorrente de falha operacional, vício de material ou execução inadequada dos serviços de usinagem.
O engenheiro mecânico nomeado pelo Juízo realizou inspeções presenciais, medições dimensionais, comparativos técnicos e análise das causas raízes conforme os preceitos da Engenharia Mecânica aplicada à confiabilidade e falhas de componentes. O laudo pericial foi emitido com base em dados objetivos, fotografia técnica e metodologia rastreável, sem margem a especulações.
O documento técnico demonstrava, com clareza, que a falha derivara do desprendimento da sede de válvula de escape de um dos cilindros — evento cuja origem não estava relacionada a erro de sincronismo ou operação indevida, mas a vícios de execução em usinagem, ausência de controle dimensional e falhas de procedimentos na retífica do cabeçote.
3. A contestação e o início da controvérsia
A parte contrária apresentou, posteriormente, laudo divergente elaborado por um engenheiro assistente técnico contratado. Até aqui, nada de anormal — a divergência técnica é legítima, faz parte do devido processo e do contraditório.
Contudo, o episódio tomou outro rumo quando o referido profissional emitiu uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) referente ao seu parecer e, no campo destinado a observações, inseriu a seguinte frase:
“Elaboração de laudo técnico em contestação de perícia em motor de máquina sem ART de serviço.”
Essa observação, aparentemente inofensiva, representava um uso indevido do documento público da ART, transformando-o em instrumento de denúncia velada. A partir dela, foi instaurada uma fiscalização automática pelo CREA-PR, questionando a existência da ART do perito judicial — um movimento atípico, direcionado e, sobretudo, sem precedente técnico.
4. O que é, e o que não é, a ART
A Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) é regulamentada pela Lei Federal nº 6.496/77 e, atualmente, pela Resolução CONFEA nº 1.137/2023, que substituiu a antiga Resolução nº 1.025/2009.Sua função é clara: atribuir responsabilidade técnica a um profissional habilitado, registrando perante o Conselho Regional a natureza e extensão de determinado serviço.
A ART não é um instrumento de denúncia, tampouco um canal de fiscalização recíproca entre profissionais. Trata-se de um documento de caráter declaratório, que formaliza o vínculo técnico e protege a sociedade quanto à execução de atividades que envolvam risco, segurança e engenharia aplicada.
Inserir observações de cunho acusatório em uma ART fere frontalmente os princípios que regem sua finalidade. Mais do que irregular, o ato representa desvio de finalidade administrativa, violando a boa-fé objetiva e os preceitos do Código de Ética Profissional da Engenharia (Resolução CONFEA nº 1.002/2002).
5. Ética e má-fé: os limites entre o debate técnico e o ataque pessoal
O art. 10, II, “a” da Resolução nº 1.002/2002 estabelece como infração ética “usar de má-fé ou valer-se de artifícios para desmoralizar a reputação de outros profissionais”. O episódio em questão ilustra com clareza essa vedação.
A inserção da observação na ART não foi mero lapso de redação. Foi uma estratégia processual travestida de instrumento administrativo, cujo objetivo era criar um elemento externo que sugerisse suposta irregularidade no laudo pericial, com a clara intenção de fragilizar a credibilidade do perito.
Trata-se, portanto, de uma tentativa de influenciar indiretamente a esfera judicial através de expediente administrativo, algo que fere tanto a ética profissional quanto o princípio de lealdade processual previsto no art. 5º do Código de Processo Civil.
6. A resposta técnica e ética do perito judicial
Diante da fiscalização instaurada pelo CREA-PR, o perito judicial agiu com tranquilidade e total transparência. Emitida imediatamente a ART correspondente à perícia, o documento foi protocolado junto ao Conselho e juntado aos autos judiciais.
Simultaneamente, foi encaminhada manifestação técnica ao Juízo, informando o ocorrido e esclarecendo o desvio de finalidade da ART emitida pelo assistente técnico. O texto, redigido de forma elegante e respeitosa, não atacava pessoas, mas defendia a integridade da Engenharia e o papel do perito como auxiliar da Justiça.
A manifestação ao Juízo destacou que o instrumento legal da ART não pode ser utilizado para fins de denúncia ou provocação administrativa, citando expressamente os dispositivos éticos e legais aplicáveis. Foi um documento que mesclou serenidade, juridicidade e firmeza técnica.
7. A reação institucional e o reconhecimento da lisura
O resultado foi emblemático: a própria defesa da parte contrária, representada por sua advogada, protocolou manifestação formal afastando-se da conduta do assistente técnico. O texto reconheceu que o ato foi isolado, não autorizado e não refletia a postura da empresa ou de sua defesa.
Esse movimento institucional foi, na prática, um reconhecimento tácito da correção ética e técnica do perito judicial. O episódio, que havia se iniciado como tentativa de desqualificação, terminou como exemplo de sobriedade profissional e respeito às instituições.
8. O desdobramento no CREA-PR
O CREA-PR, após receber a manifestação técnica do perito, reconheceu a regularização integral da situação e deu prosseguimento ao rito administrativo com base na transparência demonstrada.
O engenheiro apresentou manifestação complementar fundamentada na legislação vigente e nas resoluções do CONFEA, reiterando seu compromisso ético e colaborativo com o Conselho.
Em seu texto, destacou:
· A emissão tempestiva da ART;
· O caráter isolado e irregular da denúncia velada;
· O respeito absoluto aos princípios éticos e institucionais da profissão.
O caso serviu como demonstração real de que a boa-fé e a documentação adequada sempre prevalecem sobre a tentativa de manipulação do instrumento técnico.
9. O que a jurisprudência e a ética ensinam
Jurisprudências recentes têm reforçado que oficinas, retíficas e empresas de serviços mecânicos nem sempre estão obrigadas a possuir engenheiro responsável técnico, dependendo da natureza da atividade — o que, por si só, já limita a validade de certos argumentos levantados pelo assistente técnico.
Mais do que isso, decisões administrativas e pareceres do próprio CONFEA indicam que o uso da ART fora de seu contexto técnico configura desvio ético, podendo gerar responsabilização disciplinar.
Esse caso passa, portanto, a integrar um repertório de jurisprudência ética da Engenharia Legal, onde o equilíbrio e a transparência superam o uso inadequado de instrumentos formais.
10. Lições aprendidas: ética e serenidade como diferenciais técnicos
Deste episódio, extraem-se lições valiosas — não apenas para peritos, mas para toda a comunidade da Engenharia:
·
A técnica precisa de serenidade. O perito é antes de tudo um mediador da verdade.
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A ética é a armadura da reputação. Nenhum diploma protege mais do que a coerência moral.
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A ART é um instrumento de responsabilidade, não de ataque. Seu uso exige zelo e respeito institucional.
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A Justiça reconhece a conduta equilibrada. A elegância processual tem mais força que o confronto direto.
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Os Conselhos são aliados, não tribunais. A transparência sempre encontrará acolhida nas instâncias corretas.
A atitude madura diante de situações de provocação é o que diferencia o técnico comum do verdadeiro profissional da Engenharia Legal.
11. O valor da boa-fé processual
O Código de Processo Civil, em seu art. 5º, estabelece que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.Na perícia, isso se traduz em respeito mútuo entre peritos e assistentes técnicos, lealdade processual e fidelidade à técnica.
Neste caso, a boa-fé foi demonstrada de forma inequívoca — tanto pelo perito judicial, que regularizou a questão de imediato, quanto pelo próprio sistema jurídico, que reconheceu a tentativa de manipulação administrativa como improcedente.
A ética não é silêncio — é resposta firme, serena e bem fundamentada.
12. Conclusão – A vitória silenciosa da integridade
O episódio, que começou com uma tentativa de abalar a credibilidade técnica de um profissional, terminou com o reconhecimento da sua conduta ética e exemplar perante o Juízo e o CREA-PR. Nenhuma provocação, por mais bem articulada, resiste à força dos fatos, da coerência e da boa documentação.
Este caso não é apenas um relato processual — é um retrato fiel de como o profissional da engenharia deve se portar quando confrontado com o inesperado: com técnica, serenidade e honra.
A ética, afinal, não é uma escolha estratégica, mas o único caminho que sustenta a credibilidade de uma vida inteira dedicada à Engenharia.
“O conhecimento abre portas. Mas é a ética que as mantém abertas.”— Fábio Bedini de Faria
F.B. Faria Soluções em Engenharia
Excelência Técnica, Ética e Responsabilidade em cada perícia.
Palavras-chave:
Engenharia Mecânica, Perícia Judicial, Ética Profissional, CREA, CONFEA, Responsabilidade Técnica, ART, Código de Ética da Engenharia, Boa-fé Processual, Case Técnico, Engenharia Legal, Conduta Profissional.







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